terça-feira, 30 de agosto de 2016

No mundo do trabalho precário, 'Roma, Ore 11' (Roma às 11 Horas), clássico do Neo-Realismo, se mantém mais atual do que nunca! - Marcos Doniseti!

No mundo do trabalho precário, 'Roma, Ore 11' (Roma às 11 Horas), clássico do Neo-Realismo, se mantém mais atual do que nunca! - Marcos Doniseti! 
"Roma, Ore 11" (1952) é um clássico do Neo-Realismo italiano, dirigido por Giuseppe De Santis, e que mostra os principais problemas sociais da Itália nos primeiros anos do Pós-Guerra: Desemprego, fome, miséria, prostituição.  
Giuseppe De Santis e o Neorrealismo Italiano!

Este belo e clássico filme do Neo-Realismo italiano resume, em pouco mais de uma hora e quarenta minutos, aqueles que eram alguns dos mais importantes problemas econômicos e sociais da Itália nos primeiros anos do Pós-Guerra: fome, miséria, desemprego, prostituição.

Esta produção é de autoria de Giuseppe De Santis, que foi um dos principais diretores do Neo-Realismo, movimento cinematográfico que recebeu forte influência do realismo poético francês dos anos 1930 (Jean Renoir, Marcel Carné), do cinema de vanguarda soviético (de Sergei Eisenstein) e do Policial Noir. 

Muitos dos diretores do Neo-Realismo (Vittorio De Sica, Roberto Rossellini, Luchino Visconti, Giuseppe De Santis, Michelangelo Antonioni) já estavam envolvidos com o Cinema italiano na época do regime Fascista liderado por Mussolini, fosse trabalhando como atores, diretores, roteiristas ou mesmo críticos da revista 'Cinema', que foi publicada na época do regime Fascista e que tinha Vittorio Mussolini (filho do Duce) como o seu diretor. 

Giuseppe De Santis foi crítico da revista e trabalhou como diretor assistente e também foi um dos roteiristas daquele que é considerado por muito como sendo o marco inicial do Neo-Realismo, que é o filme 'Ossessione', de Luchino Visconti, de 1943, e que foi baseado no romance policial Noir 'O Destino Bate à Porta', de James M. Cain. 
O lema de Mussolini (plagiado de Lenin) era 'O Cinema é a Arma mais Forte'. De fato, até antes da massificação alfabetização universal e da Televisão, que irá ocorrer apenas na década de 1960, o Cinema era a principal forma de comunicação visual para se atingir toda a população. E o regime fascista fez uso intensivo do mesmo para pacificar e alienar o povo italiano.
Desde a época do Fascismo já se produziam alguns filmes que procuravam mostrar o povo italiano nas telas de cinema. 

Mas enquanto o regime Fascista queria mostrar um povo e uma Itália idealizados, tais cineastas ou críticos (muitos deles com ideias esquerdistas), os criadores do Neo-Realismo, optaram por um caminho totalmente diferente, escolhendo mostrar a realidade dos italianos, sem qualquer tentativa de edulcorar ou idealizar a mesma, fato este que levou as suas primeiras produções a serem censuradas pelo regime Fascista. 

Inclusive, o próprio Mussolini teria dito que 'Isto não é a Itália', depois de assistir a 'Ossessione', e a Igreja Católica (que apoiava Mussolini) também pressionou e conseguiu que o filme de Visconti fosse censurado, afinal ele mostrava um caso de traição, adultério e assassinato. 

Assim, o Neo-Realismo vai mostrar o povo italiano, e a realidade em que vivia, nas telas do Cinema, revolucionando o cinema mundial, sendo que a sua influência se fez sentir muito fortemente nas décadas seguintes pelo mundo afora (casos do Cinema Novo brasileiro e do Cinema Iraniano). 
Vários dos cineastas, atores e roteiristas que se consagraram na época do Neo-Realismo começaram a se envolver com o Cinema na época do Fascismo. Mas o tipo de Cinema que o regime Fascista produzia visava promover uma alienação do povo italiano em relação à realidade na qual o mesmo vivia (a capa da edição acima já deixa isso bem claro, aliás). Já o Neo-Realismo fez exatamente o contrário.
Desta maneira, muitos dos atores dos filmes neo-realistas eram pessoas comuns, do povo, que interpretavam a elas mesmas, e as locações eram naturais, feitas ao ar livre, nas cidades, fazendas, até para se diferenciar do cinema italiano falso e artificial produzido na época do regime fascista, feitos em estúdios e cujas produções não tinham qualquer conexão com o cotidiano dos italianos. 

Na época do Fascismo, as filmagens eram feitas nos imensos estúdios da Cinecittá, que foram construídos por Mussolini (que os inaugurou em 1937) para viabilizar uma produção cinematográfica italiana, a fim de ter condições de enfrentar o imenso poder de Hollywood. E Mussolini fez isso criando uma Hollywood italiana. Entre 1937 e 1943, a Itália produziu mais de 300 filmes. 

Mas tais filmes tratavam apenas da vida dos ricos, ou então exaltavam a Itália oficial (suas glórias militares), não possuindo qualquer conexão com a vida do povo italiano, que era marcada pela pobreza, desemprego e pelo atraso econômico do país. 

Muitas produções deste período ficaram conhecidas como os filmes do 'Telefone Bianchi' (Telefone Branco), que eram comédias ligeiras, sendo desprovidas de quaisquer pretensões artísticas e que evitavam fazer qualquer tipo de crítica à sociedade da época (críticas ao governo, então, nem pensar). Era puro escapismo, portanto, algo bastante comum na época da Grande Depressão, que atingiu o mundo todo, incluindo a Itália, é claro. 
'Telefone Bianchi' foi o nome que se deu a um subgênero de filmes produzidos na época do regime Fascista e que procurava gerar um sentimento de escapismo no povo italiano, para que este esquecesse da realidade de pobreza e desemprego na qual vivia. Tais filmes mostravam a vida dos ricos e o nome do estilo deveu-se ao fato de que, na época, somente os ricos tinham dinheiro para comprar e usar aparelhos de telefone da cor branca. Os telefones usados pelo povo italiano eram pretos.
Estes filmes eram chamados de 'Telefone Bianchi' porque os telefones brancos eram exclusivos das camadas ricas da população e eles sempre apareciam neste tipo de produção, que mostrava apenas a vida dos mais ricos, e que predominou na Itália entre 1936 e 1943. Já as camadas populares italianas usavam telefones pretos, mais baratos.

A partir de 1943, no entanto, o cenário da produção cinematográfica italiana se modificou radicalmente. O regime fascista enfrentou uma crescente Resistência (que contou com grande participação dos comunistas) e o mesmo desmoronou depois que os Aliados (americanos e britânicos) invadiram o Sul do país em Julho de 1943. 

Com isso, os antigos aliados fascistas do Duce derrubaram Mussolini do poder, prendendo-o logo na sequência. 

Embora um regime fascista fantoche, controlado pelos alemães, tenha sido instalado no norte da Itália (foi a chamada 'República de Saló'), o novo governo italiano (liderado pelo Marechal Badoglio) levou o país para o lado dos Aliados (Setembro de 1943). E Mussolini acabou sendo morto no final de Abril de 1945, poucos dias antes de Hitler cometer suicídio. 

Desta maneira, com o fim do Fascismo, os cineastas, roteiristas, produtores, críticos de cinema e atores italianos passaram a desfrutar de uma liberdade de criação que, até então, era inédita no panorama cultural do país, embora em alguns casos a censura mostrasse as suas garras. 
Giuseppe De Santis foi um dos mais importantes cineastas do Neo-Realismo italiano e para muitos estudiosos da sua obra 'Roma, Ore 11' é a sua obra-prima. Para a realização do filme, o futuro cineasta Elio Petri realizou uma minuciosa e exaustiva pesquisa, entrevistando inúmeras pessoas que se envolveram com o incidente que é retratado no filme. 
E foi neste contexto que surgiu e se desenvolveu o Neo-Realismo, do qual Giuseppe De Santis foi um dos principais nomes.

E o filme 'Roma, Ore 11' já representava uma mudança de rumo nas produções neo-realistas, pois embora o mesmo ainda trate e mostre as questões sociais mais relevantes do período, ele também passa a exibir romances, histórias de amor que afetavam a vida dos personagens. Aliás, Pietro Germi fez o mesmo em 'Il Cammino Della Speranza' (já comentado aqui no blog). 

Esta foi uma maneira que alguns cineastas neo-realistas encontraram de promover uma atualização do Neo-Realismo, visto que a denúncia social presente nas primeiras produções já tinha, praticamente, esgotado a sua contribuição para o cinema italiano e o movimento já não tinha mais o prestígio e o alcance do início.

A produção do filme e a Itália da época!

A trama do filme é baseada numa história real que aconteceu em 15 de Janeiro de 1951, em Roma, quando cerca de duzentas mulheres apareceram para uma oferta de emprego (de secretária) oferecida por um contador, no qual o domínio da datilografia era essencial. Elas se aglomeraram na escada do edifício e esta acabou desabando depois que muitas tentaram subir ao mesmo tempo. O resultado foi que cerca de 80 delas acabaram feridas e uma acabou falecendo. 
A história do filme é baseada num fato que ocorreu em Janeiro de 1951, em Roma, quando cerca de 200 mulheres apareceram para conquistar um emprego de secretária. Mas havia apenas uma vaga. E o resultado foi um desastre que deixou cerca de 80 feridas, sendo que uma delas acabou falecendo. 
Na época, o fato ganhou grande repercussão na imprensa italiana, sendo que o sensacionalismo que esta promoveu na exploração do caso fica bem explícito no filme. 

Elio Petri, que se tornou um dos principais diretores do brilhante cinema político italiano dos anos 1960/70, fez entrevistas com três jovens que participaram do acontecimento, a fim de que o filme fosse o mais realista possível ao contar a história. 

A partir deste incidente, De Santis desenvolve uma história na qual vai mostrar, por meio dos problemas que as mulheres enfrentam em suas vidas, profissionais e familiares, alguns dos principais problemas enfrentados pelo povo italiano neste período de sua história, quando a Itália enfrentava os efeitos de 21 anos de regime Fascista (1922-1943) e 5 anos de Guerra (1940-1945). 

Com isso, a realidade vivida pelo povo italiano neste período era marcada pela pobreza, fome, desemprego, miséria, prostituição, falta de moradias, baixos salários, entre muitos outros. 
Simona (Lucia Bosé) e Caterina (Lea Padovani) são duas das 200 mulheres que vão em busca de emprego, mas com objetivos de vida distintos. Enquanto Simona quer trabalhar para viver junto com o homem que ama, um pobre trabalhador, Caterina deseja abandonar a prostituição, que é o seu modo de vida. 
A trama do filme!

Para contar a sua história, De Santis dividiu o filme em duas partes: Na primeira, vemos as jovens chegando ao local onde iriam fazer o teste necessário para se conquistar o emprego. E na segunda, vemos as jovens sendo atendidas no hospital, sendo que é a partir deste momento que iremos descobrir como é a vida de cada uma delas e de como isso se relaciona com os problemas que o povo italiano enfrentava neste período. 

Assim, vemos, por exemplo, Simona, que é uma bela ragazza, filha de uma família rica, mas que é apaixonada por um homem (Carlo) que vive em condições bastante precárias, sendo um humilde trabalhador que molda quadros. Quando ela está no hospital, a família dela o encontra e demonstra um grande desprezo pelo mesmo, humilhando-o na frente dela. 

Logo, o desprezo das elites pelas camadas populares fica bem evidente. E a interpretação de Ralf Vallone transmite todo o desprezo e humilhação a qual Carlo está sendo submetido. Carlo, percebendo o quanto é indesejado pela família da mulher que ama, vai embora, dizendo para a amada, Simona, que não lhe deseja criar nenhum problema e que, se ficar com ele, ela terá uma vida difícil, pois ele não sabe fazer outro ofício (esta é uma das mais belas e emocionantes cenas do filme). 
Clara é uma bela jovem que procura um emprego a fim de ajudar no orçamento familiar, o que era o objetivo de grande parte das jovens italianas da época. Nos primeiros anos do Pós-Guerra, a pobreza, o desemprego, a fome e a prostituição eram características marcantes da sociedade italiana. O 'milagre econômico' italiano começaria apenas na segunda metade dos anos 1950 e atingiria o seu auge nos anos 1960. Na banca de jornal podemos ver um exemplar do jornal "L'Unità', órgão oficial do PCI, do qual Giuseppe De Santis era membro. 
Simona sofre e chora com isso e, mesmo assim, a sua família procura convencê-la a abandonar Carlo, mas quando ela está sendo levada para casa, Simona sai do carro no meio do caminho e vai ao encontro dele. E ambos ficam felizes... Desta maneira, a vontade de Simona de ter um emprego está diretamente relacionada ao desejo dela ter o controle de sua vida e poder ter uma vida melhor ao lado do homem que ama.

Uma outra jovem (Cornelia) flerta com um jovem marinheiro enquanto aguarda a abertura do portão. Ela lhe passa o seu endereço, mas recebe um bilhete dele, pelo qual fica sabendo que ele estará prestando serviço em Mogasdício (na África). 

Outra das jovens que tentou conseguir o emprego de secretária é Matilde, que veio do interior e que é muito pobre. Ela não deseja mais retornar para a sua cidade de origem, devido à extrema pobreza existente ali. Espertamente, ela passa na frente e consegue ser testada antes de todas, mas ela é muito lenta para datilografar. Mesmo assim, ela continua no lugar, na esperança de conseguir o emprego. No final, ela conseguirá o emprego em uma casa, cuja empregada anterior (Angelina) abandonou o trabalho depois que entrou em conflito com os patrões.  

Adriana, por sua vez, entra no escritório para fazer o teste, mal consegue controlar as emoções e acaba chorando. Mais adiante ficamos sabendo, quando estava sendo atendida no hospital, que ela estava grávida e que o responsável por isso era o seu antigo patrão, um advogado casado que a seduziu com a promessa de que eles iriam ficar juntos, mas que a desprezou quando descobriu sobre a gravidez. E este foi o motivo dela ter pedido demissão de seu antigo emprego. 
Simona (Lucia Bosé) era apaixonada por Carlo (Ralf Vallone), um trabalhador pobre, mas a sua família era rica e desprezava seu namorado em função da sua origem humilde. O desprezo dos ricos pelos mais pobres é um sentimento que atravessa fronteiras. O Brasil atual que o diga... 
No entanto, Adriana escondeu este fato de todos, em função da vergonha e da humilhação a que seria submetida quando o mesmo fosse descoberto. O pai a leva embora (de charrete), mas diz que ela não entrará mais em sua casa. Porém, quando chegam ao local, os vizinhos e amigos a recebem como se ela fosse uma heroína, pelo fato de ter sobrevivido ao acidente, e o pai permite que ela permaneça vivendo ali. 

Desta forma, além de serem enganadas por homens casados e ricos, as jovens e pobres mulheres da época também eram vítimas dos valores tradicionais que vigoravam na sociedade e cujo conservadorismo não era exclusivo das classes abastadas, mas eram defendidos, também, pelos setores mais pobres da população. 

Até mesmo uma prostituta (Caterina) aparece para conseguir o emprego de secretária, pois ela deseja sair das ruas e passar a ter uma vida normal. Ela é vaidosa, mas vive em uma região muito pobre da cidade de Roma e até mesmo um dos seus clientes a abandona quando vê a miséria do lugar. Caterina chegou a emprestar a bolsa de uma amiga, na expectativa de que se ela fosse com uma bolsa mais bonita ela poderia conseguir o emprego. 
Elena Varzi (primeira à direita) interpreta uma jovem e humilde mulher que engravidou do seu antigo patrão, um rico advogado, e que pediu demissão em função disso. Ela se envergonha da sua condição, pois teme ser humilhada e desprezada por isso.
Clara (que é interpretada pela belíssima Irene Galter), por sua vez, é levada ao local do teste para o emprego pelo seu pai, junto com as demais filhas, e depois do acidente ela acaba conhecendo, ao ser levado para o hospital, um jovem por quem ela se sente bastante atraída. Mas o seu pai interroga o jovem pretendente, querendo saber se o mesmo possui emprego e quanto ganha, pois é claro que deseja que a sua bela filha desfrute de uma vida digna. 

Esta é uma característica marcante desta obra-prima, ou seja, as jovens procuram emprego não apenas para obter alguma satisfação pessoal, mas para aumentar o orçamento da família, que está sofrendo com a queda no valor das suas rendas (salários, pensões) ou porque tem muitas pessoas desempregadas na mesma. Uma das jovens quer trabalhar porque a família é numerosa e o único membro que tem emprego é o irmão mais velho, que está noivo, e caso ele venha a se casar, os demais integrantes da família ficarão sem ter como sobreviver. 

Este é o caso, também, de Luciana, que é uma jovem pobre, desempregada, cujo marido (Nando) também está sem trabalho e já há seis meses, apesar de procurar intensamente por um emprego. Depois que o contador anunciou que somente entre 30 e 40 jovens seriam submetidas ao teste para obter o emprego, ela ficou desesperada, pois estava entre as últimas. Daí, ela inventou uma história falsa de que precisava falar urgentemente com o contador e passou na frente das outras para poder ser testada. 
Matilde (Paola Borboni) é a primeira da fila, que ela furou, deixando a tímida Gianna (a loira atrás dela) para trás. Matilde queria obter um emprego em Roma a fim de não ter que voltar mais para a pequena e pobre cidade de origem. A migração interna (da área rural para a urbana) foi uma realidade muito presente na Itália do Pós-Guerra. Em 1950, 40% dos italianos ainda viviam na área rural. Em 1971, esse percentual tinha se reduzido para 16%.
Quando ela sai do local, é ofendida pelas demais jovens, sendo que muitas destas tentam subir pela escada, que acaba não suportando o peso de todas e desaba. 

Dezenas de jovens ficaram feridas em função disso, e uma delas ficou em estado grave (irá falecer ao final do filme), fatos este que fizeram Luciana sofrer e chorar, pois se sentia culpada pelo que havia acontecido. O marido lhe dá todo o apoio possível, procurando tranquilizá-la, mas no final ela acaba sendo interrogada pela Polícia, que investiga o caso e deseja saber o que foi que aconteceu. 

Luciana quase chega a cometer suicídio, mas o desespero do marido (Nando) ao perceber qual era a sua intenção parece tê-la feito mudar de ideia. Depois que ela explicou o ocorrido, o próprio chefe de Polícia percebe que ela é apenas uma jovem pobre que está desesperada a procura de um emprego e que não tem culpa pelo que aconteceu. 

Após o acidente, as jovens foram levadas a um hospital, onde são bem atendidas, mas vão todas embora quando descobrem que terão que pagar 2300 Liras por cada dia que ficarem ali. Isso acontece em função do fato de que elas não tem emprego, então as jovens não podem fazer uso gratuito dos serviços de saúde.
Nando e Luciana são um casal de trabalhadores desempregados. Ela fica tão desesperada para conseguir o emprego de secretária que irá furar a fila, o que desencadeará uma grande confusão, que gerou o acidente no qual cerca de 80 mulheres ficaram feridas e uma faleceu. Apesar disso, Nando nunca a abandonou. 
Desemprego, pobreza, fome, miséria, prostituição, exclusão social, preconceitos elitistas, rígidos valores conservadores: Todos os principais problemas da sociedade italiana da época são mostrados neste clássico filme neo-realista de um diretor que nunca desfrutou do mesmo prestígio de Rossellini, De Sica ou Visconti, mas que realizou uma bela obra. 

Além disso, esta obra do diretor De Santis tem uma ótima trilha sonora, as interpretações das (os) protagonistas são muito boas, transmitindo na medida certa as emoções daqueles homens e mulheres desesperados, que lutam incansavelmente para ter um emprego decente e, assim, poder construir uma vida digna. 

Portanto, "Roma, Ore 11" defende a ideia de que é por meio da valorização do trabalho honesto e digno que se consegue promover a construção de uma identidade pessoal positiva a fim de se poder viver em sociedade. 

Em uma época, como esta em que vivemos, o filme clássico de Giuseppe De Santis é mais atual do que nunca. 
No caminho para o hospital, Clara conheceu um jovem pelo qual se sentiu atraída. Mas o seu pai somente irá concordar com um relacionamento entre ambos se o mesmo tiver um emprego e um bom salário, pois não quer ver a sua bela filha passando necessidade.
Afinal, vivemos em um período histórico no qual o desemprego estrutural tornou-se um problema para muitos países, o movimento sindical se enfraqueceu no mundo inteiro e o trabalho precário se espalhou por todo o planeta, o que está gerando um clima de crescente insatisfação popular mesmo nos países desenvolvidos (vide a saída do Reino Unido da UE, a força da candidatura de Donald Trump nos EUA e a ascensão de forças de Esquerda e de Extrema-Direita na União Europeia). 

Assim, em uma época histórica no qual a Globalização Neoliberal, com a sua deliberada intenção de precarizar as relações trabalhistas no mundo todo, fazendo com que o Precariado seja a 'classe social em formação' (na expressão de Guy Standing) que mais cresce no mundo e que temos um governo ilegítimo no Brasil que deseja transformar os empregos dos brasileiros em empregos precários (desprovido de direitos e até inviabilizando a sua capacidade de se mobilizar e de se organizar em defesa destes direitos, por meio da terceirização generalizada e da 'flexibilização' da CLT), este clássico de Giuseppe De Santis demonstra toda a sua atualidade. 

O fato de que, por exemplo, uma elevada taxa de desemprego obriga as pessoas a aceitar o primeiro emprego que aparece, mesmo que as condições de trabalho sejam ruins e que os salários sejam baixos, está presente neste filme de 1952. Em uma das cenas, bastante didática a respeito, as jovens conversam sobre qual seria o salário que seria oferecido. Uma delas fala que somente aceitaria o emprego se o mesmo fosse de 15.000 Liras, mas outra diz que aceitaria o mesmo por um salário de 10.000 Liras...
Elena Varzi, Lea Padovani, Lucia Bosé e Carla Del Poggio eram quatro das principais atrizes italianas da época. Ralf Vallone e Massimo Girotti, que protagonizam os papéis masculinos, também eram bastante populares e excelentes atores, tendo ótimas atuações neste clássico filme neo-realista. Assim, em seu filme, Giuseppe De Santis reuniu um elenco bastante popular e talentoso. 
E não é exatamente isso que acontece em momentos históricos no qual temos uma elevada taxa de desemprego, que é o que ocorre no mundo atual? Atualmente, a Itália, por exemplo, tem uma taxa de desemprego de  

Assim, De Santis realizou uma obra clássica, que é fundamental para se compreender a realidade italiana dos primeiros anos do Pós-Guerra, mas que também pode ser vista como uma obra extremamente atual, visto que vários dos problemas que são apontados por ele em seu filme estão cada vez mais presentes no mundo em que vivemos. 


Links:

Informações sobre o filme:

http://www.imdb.com/title/tt0045098/?ref_=fn_al_tt_1

"Roma, Ore 11"- Um Estudo sobre o filme (de Silvia Pagni):

http://mda2012-16.ilmondodegliarchivi.org/index.php/studi/item/287-roma-ore-11-di-giuseppe-de-santis-nelle-carte-darchivio

Livro de Elio Petri: 

http://sellerio.it/it/catalogo/Roma-Ore-11/Petri/715
Elio Petri fez uma pesquisa detalhada e exaustiva a respeito do episódio que gerou o filme. Sua pesquisa foi, posteriormente, publicada em um livro (1956) e foi adaptada para o Teatro. Nos anos 1960/1970 ele realizou alguns dos mais importantes filmes da era de ouro do Cinema Político Italiano, como os clássicos 'Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita' (1970) e 'A Classe Operária Vai ao Paraíso' (1971). 
Informações Adicionais!

Título: 'Roma, Ore 11' (Roma às 11 Horas);
Diretor: Giuseppe De Santis;
Roteiro: Cesare Zavattini, Giuseppe De Santis, Basilio Franchina, Rodolfo Sonego, Gianni Pucini.
Duração: 108 minutos;
Gênero: Drama;
Ano de Produção: 1952; 
Países de Produção: Itália e França;
Elenco: Lucia Bosé (Simona, filha de família rica); Ralf Vallone (Carlo, namorado de Simona); Elena Varzi (Adriana, mulher grávida); Massimo Girotti (Nando, marido de Luciana); Irene Galter (Clara, bela e elegante jovem que fala francês); Carla Del Poggio (Luciana, mulher acusada); Maria Grazia Francia (Cornelia); Lea Padovani (Caterina, prostituta); Delia Scala (Angelina, empregada); Eva Vanicek (Gianna, a loira tímida); Paola Borboni (Matilde, que foi testada primeiro), Armando Francioli (Romoletto, amigo de Angelina), Paolo Stoppa (Impeggiato).

Informações sobre o filme:

http://www.imdb.com/title/tt0045098/?ref_=fn_al_tt_1

Trecho do filme:

domingo, 28 de agosto de 2016

'Il Cammino Della Speranza': Pietro Germi mostra a pobreza e a difícil luta por uma vida melhor na Itália do Pós-Guerra em um clássico do Neo-Realismo! - Marcos Doniseti!

'Il Cammino Della Speranza': Pietro Germi mostra a pobreza e a difícil luta por uma vida melhor na Itália do Pós-Guerra em um clássico do Neo-Realismo! - Marcos Doniseti! 
'Il Cammino della Speranza' é um clássico do Neo-Realismo italiano, movimento que revolucionou o Cinema Mundial, mostrando a realidade do povo da terra da Bota no Pós-Guerra, que era marcada pela pobreza, miséria, fome, desemprego, o que levou muitos habitantes do país a tentar a vida em países mais ricos, como era o caso da França. 
O movimento Neo-Realista italiano, que foi influenciado pelas obras de cineastas como Jean Renoir (de quem Luchino Visconti foi assistente, tal como ocorreu no filme 'Toni', de 1935), Sergei Eisenstein e de Marcel Carné, revolucionou o cinema italiano e mundial na década de 1940. 

O Neo-Realismo gerou obras clássicas e inesquecíveis, como aquelas que foram realizadas por Roberto Rossellini ('Roma, Cidade Aberta', 1945), Vittorio de Sica ('Ladrões de Bicicleta', 1948) e, também, por Pietro Germi. 

E a significativa influência do Neo-Realismo se fez sentir na obra de inúmeros cineastas importantes nas décadas seguintes, bem como em inúmeros movimentos cinematográficos pelo mundo afora (o Cinema Novo brasileiro e o Cinema Iraniano são exemplos claros dessa influência). 

Pietro Germi começou a sua carreira como ator e embora tenha, posteriormente, realizado muitas comédias italianas de sucesso mundial, algumas delas consideradas clássicas (como foi o caso de "Divorzio all'italiana", de 1961), ele começou sua carreira de diretor como um autêntico cineasta Neo-Realista.

Nesta fase, Germi dirigiu filmes como 'In Nome della Legge' ('Em Nome da Lei', 1949), "Il Ferroviere' ("O Ferroviário", 1951)), 'La Città si Difende' ('A Cidade se Defende', 1956), 'Un Maledeto Imbroglio' ('Aquele Caso Maldito', 1959) e este 'Il Cammino della Speranza' ('O Caminho da Esperança', 1950). 
As mulheres dos operários esperam pelos seus maridos, que se recusam a sair da mina de enxofre, em protesto pelo fechamento da mesma, o que deixará a todos desempregados. 
"Il Cammino della Speranza" é baseado no romance 'Un Cuore Negli Abissi' ('Um Coração para o Abismo') de autoria de Nino Di Maria. 

E tal como acontecia nos filmes do Neo-Realismo, Germi se utilizou de cenários naturais e de inúmeros atores não profissionais em seu clássico filme 'Il Cammino della Speranza'. 

A história de 'O Caminho da Esperança' mostra a vida de um grupo de mineradores que vive em um pequeno e miserável povoado da Sicília (Capodarso), o que sempre foi uma característica marcante do cinema de Germi, que nasceu na Sicília. Mesmo depois que ele começou a fazer comédias, as tramas dos seus filmes continuaram se desenvolvendo nesta região que sofre com a forte presença da Máfia. 

O Sul da Itália é, historicamente, bem mais pobre do que o Norte, onde temos algumas das cidades mais ricas do mundo (Milão e Turim, em especial... FIAT, por exemplo, significa 'Fábrica Italiana de Automóveis de Turim') e muitos sulistas pobres migraram para o Norte da Itália durante o Pós-Guerra, a fim de trabalhar como operários industriais e onde sempre foram bastante discriminados, tal como ocorre com os nordestinos em São Paulo, por exemplo. 

Outros milhões de italianos, no entanto, tomaram outro rumo, indo trabalhar e viver em outros países (França, Alemanha, Bélgica). Segundo o historiador Tony Judt, 7 milhões de italianos deixaram o país em direção a outros países entre 1945 e 1970 (informação retirada do livro "Pós Guerra: Uma História da Europa desde 1945", Tony Judt, pág. 341).
Ciccio, com sua lábia, consegue convencer os miseráveis trabalhadores do povoado siciliano a emigrar para a França, onde poderão desfrutar de uma vida bem melhor. E é claro que ele cobra caro por isso. 
Os operários ficam sabendo que a mina de enxofre na qual trabalham irá fechar, o que deixará a todos desempregados, e dai eles decidem ficar nos subterrâneos da mesma, recusando-se a voltar para as suas casas e famílias, como uma forma de protestar contra a decisão de fechar a mina. Porém, depois de três dias, eles são convencidos a voltar para as suas famílias, até porque o seu protesto é inútil e a mina será fechada de qualquer jeito e, além disso, seus familiares estão ansiosos pelo retorno dos operários. 

Quando retornam, eles debatem sobre o que fazer a partir do momento em que ficarão sem trabalho. Neste momento, vemos um líder sindical discursando no povoado, a fim de tentar convencer os operários a ocupar a mina, com o objetivo de assumir o controle da mesma. Mas o discurso dele acaba não atraindo os operários. 

No entanto, em um bar do povoado, um forasteiro (Ciccio) tenta convencer os trabalhadores a ir embora para a França, contando uma história mirabolante de que lá eles terão um salário e condições de vida bem melhores do que se decidirem ficar ali, naquele povoado miserável e no qual eles não terão futuro algum. 

No fim das contas, Ciccio acaba fazendo com que um grande número de operários aceite vender tudo o que tem a fim de poder pagar para que ele os leve para a França, dizendo que conhece a todos na fronteira e que eles, trabalhadores, não terão nenhuma dificuldade para entrar no novo país. 
Os miseráveis trabalhadores sicilianos vão embora do povoado, onde a perspectiva de conseguir uma vida melhor é praticamente inexistente, preferindo emigrar para a França. No Pós-Guerra, a Itália foi um dos países que mais exportou mão-de-obra para outros países mais desenvolvidos da Europa (França, Alemanha).
Assim, em vez de ficar na Itália e lutar por seus direitos de forma coletiva, os mineradores decidem aceitar a oferta de Ciccio e vão embora, até porque ali não há futuro algum para eles. 

Saro é um viúvo que sente saudades da esposa falecida e que sonha em dar um futuro melhor aos seus três filhos. Barbara é namorada de um criminoso, Vanni, motivo pelo qual ela é rejeitada pela família, sequer conseguindo se despedir da mesma. 

E no meio dessa viagem teremos, também, algumas histórias românticas, como a de Luca e a jovem e bonita Rosa, recém-casados e que também desejam em desfrutar de uma vida digna, construindo um lar juntos. Eles se casam e no mesmo dia vão embora do povoado, com os demais trabalhadores, em busca de uma vida melhor. 

Os trabalhadores cantam para o jovem casal, mas não há nenhuma festa de casamento. Aliás, cantar é a única alegria dos operários nessa vida miserável e desesperada, que é marcada pela total incerteza quanto ao futuro. E a lua-de-mel de Luca e Rosa se passa em pleno ônibus, o que não é nada romântico, convenhamos. 
Saro e Barbara decidem ficar juntos, mas não há troca de declarações românticas entre os dois. A união deles se dá porque, juntos, terão maiores chances de enfrentar e superar as dificuldades da vida. Na vida real, Rafl Valone e Elena Varzi se casaram e ficaram juntos até a morte dele, em 2002. 
Outro casal do filme é formado por Antonio e pela bela Lorenza. Vanni e Barbara também tem um caso, mas no caso deles os conflitos são muito mais frequentes, pois ele é extremamente violento (afinal, é um criminoso) e a própria Barbara demonstra ter medo dele. 

Assim, a vida miserável dos trabalhadores, que é mostrada no filme, o que é uma característica marcante do Neo-Realismo, se mistura com várias histórias românticas, que estão presentes do começo ao fim de 'O Caminho da Esperança'. 

Mas, não apenas os operários decidem ir embora, pois eles também são acompanhados por suas esposas e filhos. Assim, torna-se necessário alugar um ônibus, que os levará até o trem que os conduzirá a França. No entanto, os pobres trabalhadores desconhecem o fato de que Ciccio não tem a menor intenção de levá-los para a França. O seu plano é desaparecer quando chegarem em Roma, abandonando os pobres trabalhadores. Inclusive, ele até já se livrou do dinheiro, que usaria para subornar os policiais da fronteira. 

Porém, o plano de Ciccio acaba sendo descoberto por Vanni, um criminoso que é procurado pela Polícia e que tem um romance com a belíssima Barbara. E com isso, Vanni acaba entrando em confronto com Ciccio, ameaçando-o. O picareta que enganou os trabalhadores acaba tendo que concordar em levar Vanni e Barbara até a fronteira com a França, mas não poderá dizer nada para os demais, que serão deixados para trás.
Vanni (à direita) descobre que Ciccio não irá levar ninguém para a França, mas o pressiona para que ele e Barbara possam fugir para lá, pois ele é procurado pela Polícia italiana. Tal como os outros personagens deste filme, Vanni fala pouco, mas as suas expressões demonstram claramente o que ele pretende. 
Em Roma, os operários ficam encantados com os monumentos e edifícios da capital italiana, afinal eles nunca tinham estado ali. 

Ciccio acaba delatando Vanni para a Polícia. O criminoso troca tiros com alguns policiais, mas acaba conseguindo fugir. E os trabalhadores acabam sendo levados para a sede da Polícia, onde serão interrogados a fim de explicar para onde estavam indo e o que planejam fazer. 

Os trabalhadores combinam de mentir para a Polícia, dizendo que estão indo para Turim, mas um deles (Antonio) acaba dizendo a verdade. Com isso, a Polícia determina que eles deverão retornar para o seu povoado, caso contrário serão presos. Isso demonstra o quanto eles são inábeis para viver fora do seu povoado, ainda mais numa cidade grande como Roma. 

Inclusive, a bela Lorenza, uma das trabalhadoras sicialianas, acaba se perdendo na cidade grande, e ela e Antonio acabam se separando, embora ela atraia a atenção dos homens da capital da Bota por ser muito bonita. Mas ela está perdida e assustada demais para se envolver com alguém e os operários decidem retornar para o seu povoado, deixando ela e Antonio para trás. 
A bela Lorenza e Antonio acabam se separando quando chegam em Roma, contra as suas vontades, pois eles se perdem em um ambiente que é totalmente desconhecido para eles, tal como acontece com os demais operários sicilianos.  
Aliás, é evidente que os operários sicilianos são literalmente como peixes fora d'água quando não estão no mundo no qual eles conhecem tão bem, ou seja, no seu povoado. Fora dali, eles se tornam desenraizados e acabam se perdendo e sendo vítimas fáceis de picaretas como Ciccio ou da Polícia, a cujo poder eles demonstram uma certa reverência e até temor. Eles também serão enganados por um fazendeiro que os contrata para que furem uma greve, mas sem informá-los a respeito disso. 

No caminho de volta, temos uma das mais belas cenas do filme, na qual os trabalhadores cantam 'Vitti na Crozza', uma bela canção italiana e de origem popular que se tornou um clássico e que já foi gravada ou cantada em shows por artistas como Laura Pausini, Rosanna Fratello e Amália Rodrigues, entre outros. 

Os operários chegam a uma fazenda onde o proprietário os contrata para trabalhar por um período de dez dias. Precisando do dinheiro para continuar a viagem, eles aceitam, sem saber que ninguém está trabalhando ali porque ocorre uma greve geral na região. Assim, os trabalhadores grevistas da localidade entram em confronto com os sicilianos, que são vistos como fura-greves. 

No confronto, a filha de Saro acaba sendo atingida por uma pedra e passa mal. 

Barbaba vai até a cidade a fim de conseguir que um médico atenda a garota, mas ela é reconhecida pelos grevistas, que tentam agredi-la. Barbara explica o motivo dela estar ali e, assim, ela consegue levar o médico para atender a menina. 
Saro e Barbara se unem para enfrentar e superar as dificuldades da vida. Ele é viúvo e tem três filhos para cuidar. E Barbara vê em Saro um homem digno e honesto, com quem poderá ter uma vida difícil, mas decente, o que jamais aconteceria se ficasse com o criminoso Vanni. 
Neste momento, Barbara e Saro começam a se sentir atraídos, embora não troquem palavras românticas em momento algum, mas apenas olhares. No entanto, isso acontece não pelo fato de estarem apaixonados, mas sim porque precisam um do outro para enfrentar as dificuldades da vida. 

Além disso, é claro que ela percebe que Saro é muito mais digno e a respeita muito mais do que o brutamontes Vanni. Tendo Saro ao seu lado, ela poderá ter uma vida dura, mas honesta, algo que jamais acontecerá se ficar com com o bandido Vanni. 

Mas o antigo namorado de Barbara a encontra no local e entra em conflito com Saro. 

No fim das contas, ela diz para Vanni que não tem mais como continuar com ele, deixando claro que prefere viver com Saro, o que leva o criminoso a ir embora depois de brigar com o novo namorado da bela e sensual Barbara. 

Por fim, os trabalhadores são obrigados a sair da fazenda e o grupo acaba se dividindo. 

Uma parte deles decide voltar para o povoado, para a mesma vida miserável de sempre, mas a cujo mundo eles conhecem e dominam, enquanto que os outros continuam a sua viagem para a França. Mas a viagem será marcada por inúmeras dificuldades, pois eles tem que superar as geladas e fortes tempestades que enfrentam na tentativa de atravessar os Alpes. E o velho contador (Carmelo) acaba morrendo em meio a uma das nevascas. 
Os recém-casados Luca e a bela Rosa formam outro casal no filme de Pietro Germi. Apesar das suas características marcantemente realistas, a trama do filme é repleta de histórias românticas, mas que são influenciadas pela vida miserável que levam. Mas os miseráveis trabalhadores estão dispostos a lutar juntos para construir uma vida melhor. 
E também temos um confronto final, numa briga de facas, entre Saro e Vanni e que termina com a morte deste último. A tempestade também terminou e, com isso, eles conseguem entrar em território francês, sendo que o grupo está, agora, reduzido a apenas onze pessoas. 

Porém, policiais de fronteira franceses, que confraternizam com os seus companheiros de profissão italianos, descobrem a presença deles em território francês. Mas o sorriso de Buda, o filho de Saro, faz com que o líder dos policiais franceses, sem que diga uma palavra sequer, apenas sorrindo, permita que eles entrem na França e, possam, assim, lutar para construir uma vida melhor. E os policiais ainda acenam para os miseráveis sicilianos que acabaram de chegar à terra de Charles De Gaulle. 

Assim, para Pietro Germi, a união dos povos e países é a saída para que os mesmos possam melhorar as condições de vida da população e as fronteiras entre os mesmos deveriam ser derrubadas. 

Aliás, isso não deixa de ser uma espécie de antevisão do processo de integração europeu que ganhou grande impulso a partir da criação da Comunidade Econômica Europeia (em 1957, com a assinatura do Tratado de Roma, por seis países: Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo) e que tinha, entre os seus principais objetivos, promover a pacificação e o desenvolvimento econômico e social da Europa, e que resultou na formação da atual União Europeia, que é formada por 27 países do Velho Mundo.
Saro e Barbara observam o corpo caído de Vanni. Assim, eles poderão viver as suas vidas em paz, sem que tenha um criminoso para os perseguir. 
Informações Adicionais:

Título: Il Cammino della Speranza (O Caminho da Esperança);
Diretor: Pietro Germi;
Roteiro: Federico Fellini, Pietro Germi, Tullio Pinelli; baseado no romance 'Un Cuore Negli Abissi', de Nino Di Maria;
Duração: 97 minutos;
Ano de Produção: 1950; País de Produção: Itália;
Música: Carlo Rustichelli;
Elenco: Ralf Vallone (Saro Cammarata); Elena Varzi (Barbara Spadaro); Saro Urzi (Ciccio Ingaggiatore); Franco Navarra (Vanni); Lilliana Lattanzi (Rosa); Mirella Ciotti (Lorenza); Giuseppe Priolo (Luca); Angelo Grasso (Antonio); Renato Terra (Mommino); Francesco Tomalillo (Misciu); Carmela Trovato (Cirmena), Chico Coluzzi (Buda); Saro Arcidiacono (Carmelo, o Contador); Paolo Reale (Brasi); Giuseppe Cibardo (Turi); Luciana Coluzzi (Luciana). 
Prêmio: Vencedor do Urso de Prata de Melhor Filme no Festival de Berlim em 1951. 
O policial francês sorri e deixa os miseráveis operários italianos entrarem na França, a fim de conseguir construir uma vida melhor e digna para suas famílias.
Links:

Informações sobre o filme: 

http://www.imdb.com/title/tt0042301/?ref_=fn_al_tt_1

Vídeo - Trecho do Filme/Música 'Vitti na Crozza':



Vídeo - Música 'Vitti na Crozza' (interpretada por Laura Pausini):



quarta-feira, 24 de agosto de 2016

‘La Guerre Est Finie’ (A Guerra Acabou), de Alain Resnais, mostra o fim dos sonhos dos espanhóis que lutaram contra Franco na Guerra Civil! – Marcos Doniseti!

‘La Guerre Est Finie’ (A Guerra Acabou), de Alain Resnais, mostra o fim do sonho dos espanhóis que lutaram contra Franco na Guerra Civil! – Marcos Doniseti! 
'La Guerre Est Finie' (1966) é um ótimo filme do cineasta francês Alain Resnais e que mostra o desencanto dos refugiados comunistas espanhóis que, exilados na França, tentam continuar a luta contra a Ditadura de Francisco Franco, mas em condições bastante desfavoráveis. 
O Contexto Histórico!

Atualmente, estou lendo um livro do historiador britânico Tony Judt a respeito da história da Europa no Pós-Guerra ("Pós-Guerra: Uma História da Europa desde 1945")E em uma determinada parte do livro (página 525), Judt comenta a respeito da situação política da Espanha nas décadas de 1960/70, no qual ele cita este filme de Resnais como um exemplo de que, para as novas gerações de espanhóis, a Guerra Civil era algo muito distante de suas vidas e que tal acontecimento, mesmo sendo importante historicamente, pertencia ao passado. 

Instigado pelos comentários de Tony Judt, me interessei em assistir a este filme de Alain Resnais. E tal como diz o historiador britânico, o filme do cineasta francês deixa claro que os sonhos dos comunistas e veteranos da Guerra Civil (1936-1939) de promover um levante revolucionário na Espanha, na década de 1960, com o objetivo de derrubar a Ditadura de Franco, não passavam de ilusões. 

De fato, é esta a triste e melancólica mensagem que este belo filme de Resnais transmite, ou seja, a de que a Ditadura de Franco, naquele momento em que o filme foi produzido (1966), estava fortemente consolidada e que era literalmente impossível derrubar a mesma por meio de uma insurreição revolucionária, tal como sonhavam os comunistas espanhóis, pois não existiam as condições necessárias para que isso fosse levado adiante. 

E neste caso pode-se dizer que o filme de Resnais sabia muito bem a ideia que estava transmitindo às pessoas em seu filme, pois o roteiro do mesmo foi escrito pelo escritor (político, roteirista) e ex-dirigente do PCE (Partido Comunista Espanhol) Jorge Semprún. 
Matéria de jornal sobre o filme 'La Guerre Est Finie', de Alain Resnais. 
Semprún foi um militante político espanhol que atuou na Resistência Francesa, que lutou contra o domínio nazista na França, e que se tornou um importante dirigente do Partido Comunista Espanhol, ao qual se filiou em 1942. Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, Semprún foi preso e levado para o campo de concentração de Buchenwald. 

Depois da Segunda Guerra Mundial, Semprún atuou no PCE, de forma clandestina, devido à forte repressão promovida pela Ditadura de Franco contra toda e qualquer oposição, chegando a se tornar um membro do Comitê Central do partido. 

Nesta condição, Semprún e outros líderes e dirigentes do PCE alimentaram, durante muito tempo, a ilusão de que seria possível mobilizar e organizar o povo espanhol para que o mesmo promovesse uma Revolução que derrubaria a Ditadura franquista. 

E o filme de Alain Resnais mostra o processo de desmoronamento desta ilusão, que durou muito tempo, pois a Guerra Civil espanhola havia terminado no distante ano de 1939. 

É bom ressaltar que a Guerra Civil Espanhola foi, segundo o historiador britânico marxista Eric Hobsbawm, um conflito que uniu as forças liberais-democráticas da opinião pública do Ocidente com as diferentes forças de Esquerda (stalinistas, anarquistas, trotskistas, sindicalistas revolucionários) em uma luta internacionalista contra as forças do Nazi-Fascismo que apoiaram ostensivamente as forças reacionárias do general Franco. Até nos EUA, as forças do governo esquerdista republicano espanhol tinham o apoio de 87% da população. 
Guernica: A pequena cidade (de 5 mil habitantes) do norte da Espanha (País Basco) foi reduzida a escombros pelos aviões da Legião Condor, formada por aviões da Alemanha Nazista e da Itália Fascista. Os regimes de Hitler e Mussolini inauguraram, assim, a prática de bombardear a população civil e não mais apenas alvos militares. Mas durante a Segunda Guerra Mundial os dois países provariam do próprio veneno.  
De acordo com Hobsbawm, a história da Guerra Civil Espanhola acabou sendo escrita pelos vencidos, devido à maciça mobilização internacional que ocorreu por parte de escritores, artistas e intelectuais, e não pelo vencedor, Francisco Franco e os regimes nazi-fascistas que o apoiaram. 

Isso aconteceu porque, no final, o Nazi-Fascismo acabou sendo derrotado fragorosamente na Segunda Guerra Mundial. Com isso, o regime franquista fez com que a Espanha ficasse isolada da comunidade internacional por quase uma década após o final do conflito.

Somente com o desenvolvimento da Guerra Fria é que a Ditadura de Franco acabou se integrando ao mundo Capitalista Ocidental e tornou-se uma aliada dos EUA (o mesmo aconteceu com a Ditadura de Salazar, em Portugal) e uma inimiga da URSS e do chamado 'Bloco Socialista'. 

Aliás, o mesmo aconteceu na América Latina, onde os EUA foram decisivos na instalação e apoio a uma série interminável de sangrentas, corruptas e criminosas Ditaduras Militares em toda a região (Argentina, Brasil, Haiti, Nicarágua, Honduras, Chile, Uruguai, Paraguai, etc). 
Marianne e Diego: Ela deseja ter uma vida convencional com ele, casando e tendo filhos com o mesmo, pedindo que Diego abandone a vida clandestina como dirigente do PCE. Mas o veterano revolucionário resiste a abandonar a luta. 
O filme de Resnais mostra que, apesar da derrota na Guerra Civil (1936-1939), os comunistas espanhóis mantiveram, por muito tempo, a esperança de que ainda seria possível derrubar a Ditadura franquista por meio de um processo revolucionário, mas que estas ilusões já não existiam mais após 30 anos do início do conflito e 27 anos depois da ascensão de Franco ao poder (que ocorreu em 1939, após vencer a Guerra Civil, graças ao decisivo apoio dos governos de Hitler, Mussolini e Salazar. 

Somando as três Ditaduras (Hitler, Mussolini e Salazar), elas enviaram cerca de 110 mil soldados para lutar ao lado das forças franquistas na Guerra Civil Espanhola. 

A trama do filme!

A trama do filme, no qual temos alguns trechos que são narrados pelo próprio Semprún, gira em torno de um dirigente do PCE, Diego Mora (interpretado por Yves Montand), que vive transitando entre as fronteiras da Espanha e da França, levando informações a respeito da situação política espanhola para os dirigentes do PCE que estão exilados na França, bem como passando orientações destes líderes para os militantes que permaneceram na Espanha. 

Na sua mais recente viagem para a Espanha, Diego descobre a respeito da prisão de vários dos mais importantes militantes do PCE e toma a decisão de retornar para a França, mesmo sem a autorização dos dirigentes exilados no país, a fim de avisar um dos líderes do partido (Juan) para que o mesmo não vá para a Espanha, pois a chance dele vir a ser preso é muito grande. 

Afinal, é claro que os militantes presos há poucos dias serão brutalmente torturados para que entreguem companheiros e passem informações aos policiais espanhóis sobre os grupos de resistentes. 
Diego e Nadine: A jovem revolucionária por quem ele sentiu uma forte atração e que representa uma vida diferente e uma estratégia de luta política distinta da que ele tem com Marianne e que adota com o PCE. No fim, Diego terá que escolher com qual delas ele irá ficar e qual estratégia revolucionária que ele irá seguir. 
E o próprio Diego passa por dificuldades para retornar para a França, pois ele e seu companheiro de viagem, são parados na fronteira pelos policiais franceses, que desejam obter informações a respeito de Diego, que viaja com um passaporte falso, que pertence a um espanhol (Sallanches) que faz parte da rede de exilados espanhóis. Ele é salvo de maiores complicações por Nadine, filha de Sallanches, que confirma as informações que ele precisava obter a fim de não ser preso. 

Enquanto Diego viaja de volta para a Espanha, temos também uma narração na qual ele conta a respeito das prisões que ocorreram durante a sua estadia em sua terra natal. Ele fica cada vez mais preocupado, angustiado e desiludido com as sucessivas prisões dos militantes comunistas, pois se dá conta de que a análise que os dirigentes do PCE (exilados na França) fazem a respeito da situação política e social da Espanha está totalmente equivocada. 

Diego percebe que a Espanha não está, como pensam os dirigentes exilados do PCE, próxima de passar por uma greve geral que irá desembocar em um levante revolucionário e que irá mobilizar os trabalhadores, as massas proletárias, resultando na queda da Ditadura franquista. 

Diego percebe que, de fato, o cenário é totalmente diferente e que a Ditadura de Franco está mais forte do que nunca. 
Roberto e Diego são dois dirigentes do PCE exilados na França e que sonham, e lutam, por uma Revolução que possa derrubar a Ditadura de Franco. Mas o cenário mundial é totalmente diferente da época heroica da Guerra Civil Espanhola, pois a Ditadura de Franco tem apoio dos EUA para se manter no poder e a Espanha recebia (em 1965) 14 milhões de turistas anualmente, que deixavam recursos no país que eram fundamentais para manter sólida a economia espanhola e a Ditadura de Franco. 
Diego fala que a Guerra Civil se transformou numa espécie de Mito ao qual os antigos combatentes comunistas se agarram a fim de manter a suas ilusões revolucionárias, mas que não isso não tem mais base alguma na realidade espanhola da época. Ele chega a dizer que enquanto os dirigentes do PCE estão pensando em Revolução, a Espanha recebe 14 milhões de turistas por ano. Assim, ele percebe que a Ditadura franquista consegue se manter economicamente sólida e que realidade internacional da época é totalmente contrária aos planos dos comunistas espanhóis.

Obs1: Esta visão de Diego é bem mais realista do que a dos demais dirigentes do PCE. A Espanha de Franco, mesmo sendo uma Ditadura, conseguiu quebrar o isolamento em que se encontrava ao final da Segunda Guerra Mundial, aliando-se ao mundo Capitalista liderado pelos EUA, com o qual o governo da Espanha assinou uma série de acordos militares, passando a integrar o sistema de Defesa ocidental. E a Espanha somente não entrou para a OTAN, na época de vigência do Franquismo, porque os outros países europeus vetaram a sua adesão, devido ao fato dela ser uma Ditadura. Assim, a Espanha, como Diego percebeu, não estava mais isolada no cenário internacional, muito pelo contrário. Logo, qualquer tentativa de se promover uma revolução socialista no país acabaria desembocando, muito provavelmente, em algum tipo de intervenção militar direta da OTAN (em favor de Franco, é claro) ou então esta forneceria significativa ajuda militar ao governo de Franco para que o mesmo pudesse derrotar tal tentativa de Revolução.  

Retornando para a França, Diego voltará a ver a sua amante (Marianne), com a qual ele não se encontrava já há seis meses. Ela é uma mulher madura, uma tradutora bem estabelecida em sua profissão, e deseja que ele abandone aquela vida de revolucionário profissional, que exige que ele faça constantes viagens para a Espanha, falando que deseja se casar e que também quer ter um filho com Diego.
Diego discute a situação política da Espanha com os dirigentes exilados do PCE. Enquanto estes ainda acreditam no triunfo de uma Greve Geral Revolucionária na Espanha, Diego percebe que 'A Guerra Acabou' e que a Ditadura de Franco está consolidada, contando com sólido apoio internacional (dos EUA, em especial). 
Mas quando volta para a França, Diego vai se encontrar com Nadine Sallanches, que foi a responsável por evitar a sua prisão quando retornava da Espanha, fazendo-se passar por filha dele. E quando eles se encontram, surge uma forte atração entre ambos. Diferente de Marianne, Nadine se encanta ao saber que ele é um 'revolucionário profissional', enquanto ele sente-se atraído pelo espírito mais libertário da bonita jovem. E com isso eles acabam tendo uma noite de amor...

No filme, Resnais deixa, assim, bem claro o contraste entre as duas vidas que Diego poderá vir a seguir: um relacionamento conservador e convencional, com Mariane, ou mais libertário e ousado, com Nadine. 

Aliás, Nadine também faz parte de um grupo esquerdista, que se diz leninista, e que critica a estratégia adotada pelo PCE, defendendo uma postura mais ousada e combativa na luta contra a Ditadura franquista. Eles não querem simplesmente promover Greves Gerais revolucionárias, que é a estratégia (mais tradicional) do PCE, mas partir para uma ação revolucionária imediata, leninista-bolchevique, promovendo-se atentados terroristas, para poder derrubar a ditadura de Franco.

Aliás, a estratégia defendida por esse pequeno 'Grupo Leninista de Ação Revolucionária' é o de promover atentados terroristas que afastem os turistas da Espanha, pois eles percebem, tal como o próprio Diego, que os recursos gastos pelos turistas são fundamentais para que a Ditadura de Franco e a economia espanhola se mantenham fortes. 
Francisco Franco, de bigode, e Adolf Hitler, se cumprimentam. O apoio do ditador nazista, bem como de Mussolini, foi fundamental para a vitória do general espanhol na Guerra Civil (1936-1939). Em retribuição, Franco criou uma 'Divisão Azul', formada por 'voluntários espanhóis', que lutou ao lado dos Nazistas na guerra contra a URSS. 
Porém, embora pense de maneira semelhante aos integrantes do grupo leninista, Diego não se sente nenhum pouco atraído pelo uso do terrorismo como método de luta, até porque tal prática acaba afastando o apoio popular à qualquer tentativa de se derrubar o governo, mesmo que este seja uma Ditadura, como era o caso da Espanha de Franco. 

Assim, da mesma forma que Diego se divide entre duas mulheres (a conservadora Marianne e a ousada Nadine), ele também se divide entre duas estratégias de luta política e social, ambas pretensamente revolucionárias (a do PCE e a do Grupo de Ação Revolucionária).   

Quando um policial foi interrogar Nadine, por que foi para ela que Diego telefonou quando ficou retido na fronteira entre França e Espanha, o mesmo disse que a Polícia tinha conhecimento pleno do fato de que não era apenas contrabando que passava pela fronteira, mas também ativistas políticos clandestinos. E ele completa dizendo que nem sempre a Polícia prende tais militantes políticos porque, no futuro, eles poderão estar no Governo, ocupando cargo de ministros.

Obs2: Este diálogo do Policial com Nadine se confirmou quando, entre 1988 e 1991, Jorge Semprún ocupou o cargo de Ministro da Cultura do governo de Felipe González (do PSOE, cujos integrantes lutaram na Guerra Civil Espanhola contra Franco). 
A jovem bela Geneviève Bujold interpreta Nadine, que representa uma mudança radical na forma de viver e de lutar de Diego. Mas este irá preferir o caminho tradicional, que ele conhece melhor e no qual já se encontra há muito tempo.  
Quando ele volta para a França e se reúne com os dirigentes do PCE, estes percebem, pela análise que Diego faz da realidade espanhola, que o mesmo não acredita mais na ideia de que é possível desencadear um processo revolucionário na Espanha. E em função disso, tais dirigentes determinam que Ramon irá para a Espanha, clandestinamente, no lugar de Diego. Mas a morte de Ramon faz com que Diego tenha que ir em seu lugar. E Marianne acaba, desta vez, por ir junto com ele.

Aliás, enquanto Marianne o estimula a continuar a sua luta, usando a mesma estratégia de sempre, dizendo que a Greve Geral irá triunfar, dispondo-se a ir viver com ele na Espanha, Nadine sente-se atraída pelos métodos de ação direta, violentos, do 'Grupo Leninista de Ação Revolucionária' do qual ela faz parte.

Portanto, para Diego, fica claro que a escolha por uma das mulheres implicará, também, na opção por uma das estratégias de luta.

Assim, Diego acaba por abandonar a jovem e liberal Nadine, optando por ficar com Marianne, dando continuidade à mesma forma de luta à qual ele conhece muito bem e a qual já está habituado. 

Uma das cenas mais bonitas do filme é justamente quando Nadine vai atrás de Diego, após este encerrar a discussão com os jovens revolucionários leninistas, e lhe pergunta se ele irá voltar desta viagem para a Espanha e ele, em silêncio, deixa claro que, desta vez, esta será uma viagem sem volta. Diego fez a sua escolha. 

Diego, mesmo não acreditando mais na ideia de que a Revolução esteja prestes a triunfar na Espanha, acabou decidindo continuar a luta em seu país natal, mesmo que o resultado da mesma seja a derrota ou a sua morte. 

Afinal, em muitos momentos históricos, o mais importante não é vencer ou perder, mas lutar, a fim de não permitir que a chama se apague.
O cineasta Alain Resnais, Geneviève Bujold e Yves Montand na época das filmagens de 'La Guerre Est Finie'. 

Informações Adicionais!

Título: La Guerre Est Finie (A Guerra Acabou);
Diretor: Alain Resnais;
Roteiro: Jorge Semprún;
Duração: 116 minutos;
Ano de Produção: 1966; Países de Produção: França e Suécia;
Elenco: Yves Montand (Diego Mora); Ingrid Thulin (Marianne); Geneviève Bujold (Nadine Sallanches); Jean-François Rémi (Juan); Paul Crauchet (Roberto); Anouk Ferjac (Marie Jude); Dominique Rozan (Jude); Michel Piccoli (Inspetor da Aduana): Marie Mergey (Madame Lopez); Roland Monod (Antoine); Gérard Lartigau (Líder do Grupo de Ação Revolucionária); Jean Bouise (Ramon); Annie Fargue (Agnès); Jacques Rispal (Manolo); Sissi Kaiser (Lola). 
Música: Giovanni Fusco.
Prêmio: Melhor Filme do Sindicato dos Críticos de Cinema da França (1967). 

Links:

Informações sobre o filme:

http://www.imdb.com/title/tt0060481/?ref_=fn_al_tt_1

Jorge Semprún:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Sempr%C3%BAn

Campo de concentração de Buchenwald:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Buchenwald


Felipe González (PSOE) venceu as eleições para o Parlamento espanhol em 28/10/1982 com 46% dos votos, conquistando a maioria absoluta dos deputados (201 em um total de 350). Felipe González governou por 14 anos consecutivos, até 1996. Em seu governo a Espanha entrou para a OTAN e para a União Europeia e passou por um rápido processo de crescimento e de modernização econômica. E nunca mais a Espanha se tornou uma Ditadura... 
Eric Hobsbawm e a Guerra Civil Espanhola:

http://www.sinpermiso.info/textos/memoria-de-la-guerra-civil-espaola

O bombardeio sobre Guernica: