sexta-feira, 21 de abril de 2017

‘Páscoa Sangrenta’ – Giuseppe De Santis finaliza a ‘Trilogia da Terra’ sobre os conflitos sociais nas áreas rurais da Itália! – Marcos Doniseti!

‘Páscoa Sangrenta’ – Giuseppe De Santis finaliza a ‘Trilogia da Terra’ sobre os conflitos sociais nas áreas rurais da Itália! – Marcos Doniseti!
'Páscoa Sangrenta' (1950) forma, junto com 'Trágica Perseguição' (1947) e 'Arroz Amargo' (1949) a 'Trilogia da Terra' de Giuseppe De Santis, encerrando a mesma. 
O cineasta Giuseppe De Santis foi um dos pioneiros do Neo-Realismo italiano, junto com Luchino Visconti, Roberto Rossellini e Vittorio De Sica. 

Em 1947, ele iniciou o que foi chamada de ‘Trilogia da Terra’, que engloba os filmes ‘Caccia Tragica’ (1947), ‘Riso Amaro’ (1949) e ‘Páscoa Sangrenta’ (1950). 

Segundo o próprio De Santis, o seu objetivo ao realizar a Trilogia era construir uma ‘épica nacional das camadas populares’, da qual estas seriam protagonistas e espectadoras ao mesmo tempo. 

Assim, De Santis tinha o objetivo de, com os seus filmes de temática popular, atingir o grande público, usando de uma linguagem cinematográfica que fosse acessível para as camadas populares. 

Embora ele fosse militante de Esquerda, De Santis ‘admirava a capacidade do cinema norte-americano de criar o espetáculo’, capacidade esta que ele adaptou ‘para debruçar-se sobre o mundo dos humilhados e ofendidos’.
Francesco (Ralf Vallone) e Lucia (Lucia Bosé) formam o par romântico de 'Páscoa Sangrenta'. 
Sobre este assunto, De Santis disse o seguinte: “Minha postura quanto ao realismo implica numa transfiguração da realidade. A arte não é a reprodução de meros documentos. Se nos contentarmos em colocar a câmera na rua ou entre paredes verdadeiras, só poderemos chegar a um realismo de todo exterior. Para mim, o realismo não exclui de modo algum a ficção, nem todos os meios classicamente cinematográficos”.

Obs1: Estas frases ditas por De Santis foram retiradas do capítulo ‘Neo-Realismo Italiano’, de autoria de Mariarosafia Fabris, que consta do livro ‘História do Cinema Mundial’; Fernando Mascarello (org.).

Portanto, De Santis assume uma postura diferente daquela que era adotada por Rossellini, por exemplo, e usa em seus filmes de técnicas de produção mais sofisticadas, indo além de meramente mostrar a realidade, introduzindo elementos ficcionais nas histórias que desenvolve. 

Giuseppe De Santis faz dos seus filmes grandes produções, utilizando-se de atores e atrizes famosos, o que era uma mudança significativa em relação ao período inicial do Neo-Realismo, quando se valorizava os orçamentos baratos e o uso de pessoas comuns, que não eram atores, para trabalhar nas produções Neo-Realistas. 
O pastor Francesco e a sua família lutam para recuperar as ovelhas que foram roubadas pelo ganancioso e desonesto Bonfiglio. 
Isso já havia sido feito por Giuseppe De Santis em ‘Riso Amaro’, que inaugura a sua ‘Trilogia da Terra’ e que contou com a produção de Dino De Laurentis. 

De Laurentis era um importante produtor que também apreciava as grandes produções e contratou centenas de extras para trabalhar no filme e que conta com cenas dignas das grandes produções de Hollywood. ‘Riso Amaro’ (que já foi comentado aqui no blog) também tem a participação da jovem, bela e sensual Silvana Mangano como protagonista. 

‘Riso Amaro’ até mostra a exploração sofrida pelas empregadas temporárias que trabalhavam, durante 40 dias, na colheita do arroz do Vale do Pó, mas a personagem de Silvana Mangano, marcada por uma sensualidade explícita, é o centro das atenções. E o sucesso do filme a transformou num símbolo sexual e em uma estrela internacional. 

Aliás, a intenção de Giuseppe De Santis era utilizar, novamente, Silvana Mangano para ser a protagonista de ‘Páscoa Sangrenta’, mas a nova estrela do cinema italiano estava grávida, o que impossibilitou a sua participação no filme. 
Lucia desejava ficar junto com Francesco, mas os pais dela eram contra, pois ele era um camponês miserável. 
Porém, e de forma semelhante a ‘Riso Amaro’, o filme ‘Páscoa Sangrenta’ conta com outra bela atriz italiana no papel da protagonista, que é Lucia Bosé. 

Lucia Bosé havia sido eleita Miss Itália em 1947, quando tinha apenas 16 anos, derrotando Gina Lollobrigida e outras belas candidatas. Logo, ela protagonizou ‘Páscoa Sangrenta’ quando tinha apenas 19 anos de idade, a mesma idade de Silvana Mangano na época da produção de ‘Riso Amaro’. 

Lucia Bosé estreou no Cinema justamente em ‘Páscoa Sangrenta’ e a sua beleza extraordinária não esconde o fato de que ela ainda era uma atriz inexperiente.  

Nos filmes dos quais participou posteriormente ela evoluiu muito como atriz, interpretando personagens mais complexas e que exigiram um desempenho bem superior de sua parte. 

Lucia Bosé foi protagonista, por exemplo, de ‘Cronaca di um Amore’ (1950) e de ‘A Senhora das Camélias’ (1953), filmes nos quais ela foi dirigida por Michelangelo Antonioni. Ela também trabalhou com outros diretores consagrados, como Mauro Bolognini, Luciano Emmer, Luis Bunuel e Federico Fellini. 
Francesco é preso pela Polícia, acusado de ter roubado as ovelhas de Bonfiglio. 
Em ‘Páscoa Sangrenta’, Lucia Bosé interpreta Lucia Silvestri, a jovem e bela filha de um casal de camponeses miseráveis da região de Ciociara, que se localiza entre Roma e Nápoles. Ela é apaixonada por outro camponês, também miserável, que é Francesco Dominici (interpretado por Ralf Vallone), que também é apaixonado por Lucia.

Francesco serviu o Exército italiano durante a Segunda Guerra Mundial e foi feito prisioneiro, retornando para a sua terra natal apenas quando o conflito terminou. 

Mas quando ele retorna para Ciociara, as suas ovelhas foram roubadas por um desonesto e ambicioso camponês local (Agostino Bonfiglio), que se aproveitou da confusão gerada pela Guerra. 

Bonfiglio age desta maneira porque deseja se tornar um grande proprietário, rico e poderoso. Para atingir esse objetivo, se necessário, ele faz uso de ameaças, violências, intimidações, roubos e se alia a um grande proprietário rural da região (Gaetano). Ele chega a mandar colocar fogo nas moradias dos pastores para amedrontá-los. 
Os pais de Lucia, camponeses miseráveis, obrigam Lucia a se casar com Bonfiglio, deixando-a imensamente triste.
Bonfiglio também deseja se casar com a belíssima Lucia, que não tem interesse algum por ele e que, na verdade, o despreza inteiramente. Porém, ele convence o pai e a mãe da jovem Lucia de que se ela aceitar a proposta de casamento ele irão desfrutar de uma vida bem melhor. 

Assim, Lucia acaba sendo convencida a aceitar a proposta de casamento de Bonfiglio. Porém, para evitar isso, ela e Francesco combinam de roubar as ovelhas de Bonfiglio, deixando-o na miséria.  

Mas o esperto e violento camponês não se faz de rogado e denuncia Francesco pelo roubo. Francesco diz que apenas pegou de volta as ovelhas que Bonfiglio lhe havia roubado e diz que Lucia foi testemunha do fato. Mesmo assim ele acaba sendo preso e é submetido a julgamento. 

Durante o julgamento, Francesco tem certeza de que Lucia irá testemunhar a seu favor, dizendo que viu Bonfiglio roubar as ovelhas de Francesco. Mas durante o julgamento os trabalhadores e camponeses da região foram devidamente preparados pelo advogado de Bonfiglio para que afirmassem que as ovelhas eram deste e não de Francesco. 

O advogado de Bonfiglio também é um grande proprietário rural na região e, para ele, é interessante fazer uma aliança com o ambicioso e desonesto proprietário a fim de poder controlar e explorar os pastores da região.
Lucia ficou arrasada quando descobriu que havia sido traída, antes mesmo do casamento, por um marido desonesto, mentiroso e violento.
As intimidações, ameaças e pressões feitas por Bonfiglio surtiram efeito e, no julgamento, Lucia negou ter visto o roubo das ovelhas pelo mesmo. Desta maneira, ela acabou se casando com o desprezível Bonfiglio por exigência dos seus pais. 

Porém, Lucia acabará ficando sozinha já no dia do casamento, pois a irmã de Francesco, uma bonita jovem de 17 anos, foi violentada por Bonfiglio e denunciou o fato perante os moradores da comunidade. 

Apesar de Bonfiglio ter tentado se defender, culpando a jovem pelo que havia acontecido, o mesmo acabou sendo desmoralizado e foi obrigado a viver com a jovem. 

Com isso, Francesco acabou sendo condenado a quatro anos de prisão, pois ele foi considerado culpado de ter roubado as ovelhas que a Justiça ‘confirmou’ que eram de Bonfiglio.  

Porém, alguns meses após o seu julgamento, condenação e prisão, Francesco conseguiu fugir. Quando Lucia fica sabendo disso, ela decide ir ao seu encontro, na esperança de ficar junto com o mesmo. 
Durante o julgamento de Francesco, Lucia foi obrigada, pelo seus pais, a ficar ao lado de Bonfiglio, o que a fez sofrer.
No entanto, inicialmente, ele a repudia, devido ao fato dela ter ficado a favor de Bonfiglio. Ela justifica isso dizendo que foi obrigada a agir daquela maneira por imposição de seus pais. No fim, eles acabam se entendendo, mas ela não gosta da ideia de que Francesco vá se vingar de Bonfiglio. 

Mas é claro que ele decidiu se vingar de Bonfiglio, procurando fazer justiça com as próprias mãos, e nem mesmo Lucia irá conseguir fazê-lo mudar de ideia. Francesco até chega a receber oferta de ajuda dos pastores de ovelha da região, que se propõe a ajuda-lo a prender Bonfiglio para que, posteriormente, o mesmo fosse entregue à Justiça. 

Entretanto, ele recusa tal oferta e decide ir atrás de Bonfiglio. Mas, há um elemento interessante neste filme, que é a presença do Estado como elemento que procura reprimir e controlar os conflitos sociais. A Polícia atua intensamente, o tempo inteiro, para evitar que a violência privada se imponha na região. Em uma cena o chefe da Polícia adverte Bonfiglio para que ele se comporte, agindo dentro da Lei, sem apelar para aquela história de fazer Justiça 'com as próprias mãos'.

Assim, percebe-se que existe uma tradição local de resolver as diferenças com o uso da violência. E isso explica porque Francesco quer se vingar de Bonfiglio de qualquer maneira. 
A belíssima Lucia Bosé fez, em 'Páscoa Sangrenta', a sua estreia no Cinema, com apenas 19 anos. Seu rosto é de uma beleza marcante e inesquecível. 
Mas o ganancioso, violento e desonesto Bonfiglio fica sabendo que Francesco quer vingança e avisa a Polícia, que vai atrás do fugitivo. Mesmo assim, Francesco consegue chegar até a propriedade de Bonfiglio, que foge. Mas este acaba sendo encontrado e encurralado por Francesco e, vendo-se sem saída, Bonfiglio acaba saltando para a morte em um despenhadeiro.  

E o filme tem um final feliz, com o Policial avisando Francesco que ele terá direito a um novo julgamento, no qual será absolvido. E Lucia e Francesco podem, finalmente, viver juntos e felizes. Aliás, finais felizes não eram uma característica que estivesse presente nos filmes Neo-Realistas no início do movimento. 

Portanto, o filme trata dos efeitos da Segunda Guerra Mundial sobre a vida da população, bem como dos conflitos sociais existentes na área rural italiana e as dificuldades e problemas enfrentados pelos pequenos proprietários, criadores de ovelhas, da região de Ciociara. 

Em ‘Páscoa Sangrenta’ também temos algumas coisas em comum com ‘Riso Amaro’ (1949), produção anterior de Giuseppe De Santis, que é a influência do cinema americano, uma história que trata da situação de pobreza e atraso de um segmento da população rural da Itália, a presença de centenas de extras, uma história de amor e de conflitos envolvendo uma protagonista muito bonita, jovem e sensual. 
Depois da fuga de Francesco, Lucia foi atrás dele, pois ainda o amava. 
Lucia Bosé fez a sua estreia no Cinema neste ‘Páscoa Sangrenta’ (1950), tal como ocorreu com Silvana Mangano em ‘Riso Amaro’ (1949). E da mesma maneira que aconteceu com Silvana Mangano, a bela e sensual Lucia Bosé também se tornou uma atriz de muito sucesso na Itália. 

Neste sentido, a ‘Trilogia da Terra’ de Giuseppe De Santis já apontava para uma mudança nas produções dos cineastas identificados com o Neo-Realismo. 

Tais produções foram censuradas e perseguidas pelo governo conservador do PDC e perderam a simpatia do grande público, que se voltou para os filmes originários de Hollywood, que foram estimulados pelo governo italiano. Isso acabou obrigando os cineastas Neo-Realistas a promoveu mudanças em suas obras. 

Eles continuaram mostrando os problemas sociais da Itália da época, mas eles fazem isso de forma a conectar os mesmos com elementos que atraíssem o público para as salas de cinema: 

A) Uma jovem, bela e sensual protagonista; 
B) Uma grande produção; 
C) A influência do Cinema dos EUA; 
D) A presença de atores famosos; 
E) Histórias de crime e amor; 
F) Finais felizes. 
Francesco e Lucia finalmente tem um momento de amor juntos, pelo qual tanto ansiavam. 
Assim, o Neo-Realismo passou por mudanças, que irão gerar, inclusive, o chamado ‘Neo-Realismo Rosa’, que usava da comédia e do humor para mostrar os problemas econômicos e sociais italianos. Isso fez com que as produções Neo-Realistas ficassem mais leves e acessíveis ao grande público. 

E até mesmo um dos criadores do ‘movimento’ Neo-Realista, o genial Vittorio De Sica, acabou fazendo isso, como se pode constatar em ‘Milagro a Milano’. 

Apesar do seu progressivo esgotamento e das mudanças pelas quais passou, o Neo-Realismo deixou uma marca indelével na produção cinematográfica mundial e a sua influência se fez exercer nas décadas seguintes, tal como é possível constatar no Cinema Novo Brasileiro, na Nouvelle Vague e no Cinema Iraniano.

Desta maneira, o Neo-Realismo deixou uma grande marca na história do Cinema Mundial. E por isso os filmes desse 'gênero' cinematográfico merecem sempre ser vistos e revistos. 
Francesco enfrenta Bonfiglio no duelo final. 
Informações Adicionais:

Título: Non c'è Pace Tra Gli Ulivi (Páscoa Sangrenta);
Diretor: Giuseppe De Santis;
Roteiro: Giuseppe De Santis, Gianni Puccini, Carlo Lizzani, Libero De Libero;
País de Produção: Itália; Ano de Produção: 1950;
Gênero: Drama; Duração: 98 minutos;
Fotografia: Piero Portalupi; Música: Goffredo Petrassi;
Elenco: Ralf Vallone (Francesco Dominici); Lucia Bosé (Lucia Silvestri); Maria Grazia Francia (Maria Grazia), Vincenzo Talarico (Advogado de Francesco), Folco Lulli (Agostino Bonfiglio), Piero Tordi (Gaetano Bertarelli, advogado de Bonfiglio), Attilio Torelli, Michele Riccardini, Dante Maggio (Salvatore Capuano).

Vídeo - Trecho do Filme:

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