quinta-feira, 13 de abril de 2017

‘Umberto D’ – De Sica homenageia o pai em um filme belo e triste que encerrou a era do Neo-Realismo! – Marcos Doniseti!

‘Umberto D’ – De Sica homenageia o pai em um filme belo e triste que encerrou a era do Neo-Realismo! – Marcos Doniseti!
'Umberto D', de Vittorio De Sica, é um clássico do Neo-Realismo italiano, sendo o filme preferido de Martin Scorsese e Ingmar Bergman. 
O ciclo do Neo-Realismo italiano durou aproximadamente uma década. 

Ele tem o seu início com o filme ‘Ossessione’, produção de 1943 que foi dirigida por Luchino Visconti (que já foi comentado aqui no blog). E o seu encerramento se dá justamente com este belíssimo filme de Vittorio De Sica, que é ‘Umberto D’ (1952). 

‘Ossessione’, o filme de Visconti, foi proibido pelo regime Fascista italiano, sendo que o filho do Duce, ao assistir ao mesmo, disse ‘Isto não é a Itália’. Afinal, ‘Ossessione’ mostrava um país marcado pela pobreza, desemprego, prostituição, desigualdades sociais e pessimismo. 

O governo fascista de Mussolini estimulou bastante a produção cinematográfica italiana e o mesmo fez isso de várias formas: Criando a ‘Cinecittà’ em 1937 e a revista quinzenal ‘Cinema’, bem como apoiando a criação do ‘Centro Experimental de Cinematografia’, que formava diretores, roteiristas, atrizes, atores, técnicos. 

Mas o regime fascista também usava o Cinema para mostrar uma visão idealizada da sociedade italiana, não tendo nenhuma conexão mais forte com as dificuldades que a população enfrentava no seu cotidiano. 
Maria, a empregada da pensão, é a única amiga (humana, pelo menos) de Umberto D. 
A maioria dos filmes que foram produzidos durante o regime Fascista eram puramente escapistas, mostrando a vida da burguesia (eram os filmes chamados de ‘Telefone Bianchi’) ou então eram comédias leves ou ainda produções que exaltavam os heróis e acontecimentos históricos mais relevantes da história italiana. Em alguns filmes o povo italiano e as paisagens naturais italianas até eram exibidos, mas sempre de forma idealizada.

As condições históricas que permitiram o desenvolvimento do cinema Neo-Realista já foram devidamente comentadas aqui no blog e podemos citar: A luta de todos os setores sociais italianos contra o Nazi-Fascismo; A invasão da Itália pelos Aliados; A derrubada do governo de Mussolini; A formação de um governo de ‘União Nacional’ no Pós-Guerra e que vai durar até 1947; A liberdade criativa existente no país no período de 1943-1947.

E os fatores que foram decisivos para a perda de espaço por parte dos filmes Neo-Realistas no mercado italiano também podem ser relembrados: 

A) O fim do governo de ‘União Nacional’; 
B) A ascensão de um governo direitista e conservador liderado pelo PDC (Partido Democrata-Cristão) a partir de meados de 1948; 
C) A expulsão de Socialistas e Comunistas do governo italiano; 
D) A censura e perseguição promovida pelo governo conservador aos filmes Neo-Realistas; 
E) A importação maciça de filmes de Hollywood por parte do governo conservador italiano; 
F) O desrespeito à lei que determinava um percentual mínimo de exibição de filmes italianos nas salas comerciais. 
Umberto D começa a vender os seus bens (livros, relógio), a fim de poder pagar a dívida acumulada com a proprietária da pensão em que vive. 
Com essas mudanças que aconteceram no cenário político, econômico e cultural da Itália, os cineastas Neo-Realistas introduziram algumas mudanças em suas produções, passando a fazer uso do humor, de belas atrizes e amenizando a crítica social. Isso deu origem ao que se chamou de ‘Neo-Realismo Rosa’.

O próprio Vittorio De Sica já havia feito algumas destas mudanças em seu filme anterior (‘Milagre em Milão’, de 1951), quando usou do humor, da fábula e de efeitos visuais para mostrar uma história de repressão governamental e policial contra um grupo de moradores sem teto de Milão. 

Já em ‘Umberto D’ temos uma espécie de despedida, de encerramento do Neo-Realismo por parte de Vittorio De Sica, mas no qual ele reafirma os princípios deste que foi um dos mais importantes e influentes ‘movimentos’ da história do Cinema mundial. 

É bom ressaltar a fundamental participação, durante todo o período do Neo-Realismo, do roteirista Cesare Zavattini, que foi o principal teórico deste ‘movimento’ cinematográfico. 
A pedido de Umberto D, Maria tenta pagar uma parte da dívida, mas a proprietária da pensão exige receber tudo. 
Não é à toa que o roteiro de ‘Umberto D’ foi escrito justamente por Zavattini, que foi um assíduo colaborador nos filmes de Vittorio De Sica, sendo considerado por muitos um verdadeiro coautor dos filmes deste. 

Frequentemente, quando se comenta sobre os principais nomes do Neo-Realismo são citados Roberto Rossellini, Luchino Visconti e a dupla Vittorio De Sica- Cesare Zavattini. 

Neste belo, poético, sensível e triste filme que é ‘Umberto D’, De Sica homenageia o seu pai (que se chamava Umberto De Sica) e retorna às características originais do Neo-Realismo. 

A obra cinematográfica de De Sica também é marcada por saber transmitir emoções e sentimentos como poucos e neste ‘Umberto D’ isso é um elemento que está muito presente, tal como já havia acontecido em ‘Ladrões de Bicicleta’, por exemplo. 

Assim, em ‘Umberto D’, De Sica usa de pessoas comuns para interpretar os personagens principais (Carlos Battisti, que interpreta Umberto D, era professor e este foi o seu único filme), filma tudo em paisagens naturais e não se utiliza de efeitos visuais. 
Umberto D se interna em um hospital público, com o objetivo de fazer economia e ter dinheiro suficiente para pagar a sua dívida. 
O genial cineasta também mostra a triste realidade dos idosos e aposentados italianos, que viviam em grandes dificuldades em função dos baixos valores das pensões que recebiam, bem como ilustra o descaso do Governo italiano com os problemas que os aposentados enfrentavam. 

No filme, também é mostrado o egoísmo das pessoas, que são cada vez mais individualistas, em uma sociedade na qual os valores burgueses acabaram se impondo. Se alguém não é bem sucedido, diz a ideologia liberal burguesa, a culpa é da própria pessoa, embora muitos burgueses ricos e milionários tenham apenas herdado a sua fortuna, enquanto que outros a acumularam com uma substancial ajuda do Estado. 

Umberto Domenico Ferrari é um aposentado, que vive sozinho em uma pensão, sem amigos. As únicas exceções são Maria, a adolescente analfabeta que é empregada da pensão, e o seu inseparável cãozinho Flike, que tem uma grande importância na história e que protagoniza algumas das mais belas cenas da história do Cinema. Flike ‘atua’ tão bem que deveria ter recebido um Oscar de Melhor Ator, com certeza... (modo irônico). 

O filme começa com uma cena tipicamente Neo-Realista, na qual os aposentados fazem um protesto contra os seus reduzidos vencimentos e a Polícia os reprime sem hesitar. Umberto D e mais alguns pensionistas participam da manifestação e conversam sobre a sua situação. 
Umberto D procura por velhos amigos, da época em que era funcionário público, para ver se consegue a ajuda deles. Mas isso não irá acontecer. 
Umberto D fala que está devendo 15 mil Liras para a proprietária da pensão em que mora, mas não tem como pagar tal dívida. Ele diz que, antigamente, a proprietária o chamava de avô, mas que agora ela o trata com absoluto desprezo e exige o pagamento integral da dívida, caso contrário ele será despejado. 

Com isso, Umberto D começa a vender alguns bens (livros, relógio), a fim de conseguir o dinheiro necessário para pagar a dívida, pois se não o fizer ele não terá onde morar. Ele também recorre a alguns antigos amigos do Ministério do Trabalho, onde trabalhou por 30 anos, mas que agora não tem nem tempo para conversar com ele e nem vontade de ajuda-lo. As pessoas somente querem se livrar dele o quanto antes. 

Umberto também chega a simular uma doença, a fim de ser internado em um hospital público, onde teria moradia e alimentação gratuitas. Com isso, ele economizaria dinheiro suficiente para poder pagar a dívida. 

Quando ele volta para a pensão, descobre que Flike fugiu. Desesperado, ele vai até o local da cidade para o qual os cães vadios são levados e encontra o cãozinho. 
Flike, o cãozinho que ajuda Umberto D a obter os recursos necessários para poder pagar a sua dívida. 
A adolescente Maria é a única pessoa com quem Umberto D tem uma relação de amizade, mas ela também não tem como ajuda-lo. Ela também passa por um momento difícil, pois namorava dois soldados e acabou engravidando de um deles, sendo que ela nem sabe direito quem é o pai da criança. 

E o problema é que os dois soldados negam ser o pai da criança e nenhum deles quer assumir a responsabilidade pela mesma. Maria também esconde a gravidez da proprietária da pensão, pois se esta descobrir a verdade acabará por mandar Maria embora. E se ela voltar para o pai, Maria será espancada pelo mesmo. Assim, ela está sem opção.  

Umberto D estimula Maria a estudar, pois diz que as pessoas se aproveitam dos ignorantes, mas ela acaba por se resignar à vida que leva. Em uma cena ela guarda lápis e papel na gaveta, enquanto fica moendo o café e chora. Assim, ela não tem mais esperanças de desfrutar de uma vida melhor. 

Umberto D é um idoso, com 70 anos, que procura manter a sua dignidade intacta, mesmo em uma situação de visível derrocada da sua vida. Ele até chegou a tentar pagar uma parte da dívida, mas a proprietária da pensão recusou-se a aceitar, exigindo que ele pagasse tudo ou que fosse embora.  
Sem conseguir o dinheiro necessário para pagar as suas dívidas, Umberto D decide ir embora da pensão e cometer suicídio. Mas ela não conta isso para a jovem Maria. 
Depois das várias tentativas fracassadas que fez para acumular o dinheiro necessário para pagar toda a dívida, ele acaba apelando para a mendicância. Em um destes momentos, Umberto D estende a mão voltada para cima, mas quando um homem vai lhe dar o dinheiro, ele vira o rosto e a mão, pois não consegue fazer aquilo. A dignidade o impede.  

Isso também gera uma das cenas mais bonitas e sensíveis, bem ‘chapliniana’, da história do Cinema, quando ele coloca o seu chapéu na boca de Flike, que fica em pé na rua, esperando que as pessoas joguem algum dinheiro no mesmo. Mas quando ele vê um Comendador, um velho amigo, que reconhece Flike, Umberto fala que o cãozinho está apenas fazendo uma brincadeira. Ele pensa em pedir ajuda ao Comendador, mas percebe que este não irá fazer nada por ele. 

Logo, a tentativa de Umberto de apelar para a mendicância, mesmo que temporária, também acabou fracassando. A vergonha que sente ao agir desta maneira é forte demais para ele. 

Com isso, e totalmente desesperado com a situação em que se encontra, Umberto D toma a decisão de ir embora da pensão, a fim de cometer suicídio. A cena em que ele se despede de Maria, que não sabe das suas intenções suicidas, quando ela pergunta se eles continuarão a se ver, é uma das mais bonitas do filme. 
Umberto D brinca com Flike, o cãozinho que terá um papel fundamental em sua decisão de continuar vivendo. 
Mas para que possa concretizar o seu plano, Umberto D ainda precisa fazer mais uma coisa, que é se livrar de Flike, seu cãozinho e melhor amigo, que nunca se separa dele. 

Umberto D tenta várias coisas: Doar Flike para um casal de idosos que possui inúmeros cães, mas que exige muito dinheiro para fazer isso; doar o cãozinho para uma garotinha (Daniela) que frequenta um parque; largar Flike, sozinho, no parque e ir embora (mas isso não dá certo, pois Flike irá atrás dele e acabará por encontra-lo). 
Incapaz de se livrar do inseparável Flike, Umberto D acaba encontrando no carinho e amor que o cão lhe devota uma razão para continuar vivendo. E aparece um grupo de crianças, jogando futebol, felizes. É a forma que De Sica encontrou de mostrar que ainda é possível, apesar de todas as adversidades, desfrutarmos de um futuro melhor. 

E a cena final de ‘Umberto D’ é uma das mais belas e emocionantes da história do Cinema, sem dúvida alguma. 
Feliz com a decisão que tomou, Umberto D brinca com Flike, em um dos mais belos finais da história do Cinema. 
Informações Adicionais:

Título: ‘Umberto D’;
Diretor: Vittorio De Sica:
Roteiro: Cesare Zavattini;
Musica: Alessandro Cicognini; Fotografia: G.R. Aldo;
Duração: 89 minutos; Gênero: Drama;
País de Produção: Itália; Ano de Produção: 1952;
Elenco: Carlos Battisti (Umberto D. Ferrari); Maria Pia Casilio (Maria); Lina Gennari (Antonia Belloni); Ileana Simova (dona da pensão).
Prêmios: Bodil Awards - Melhor Filme Europeu de 1955;
Jussi Awards - Melhor Filme Estrangeiro de 1957. 

Filme na íntegra (legendado em Português):



Nenhum comentário: